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O Dia - Roberta Sampaio (21/03/2024)

Moeda social no Rio pode movimentar economia em localidades de baixa renda, apontam especialistas

Câmara de Vereadores vota a criação da moeda que visa valorizar os comércios locais

Está marcada para esta quinta-feira (21), na Câmara dos Vereadores, a votação da criação da "Carioquinha", a primeira moeda social do Rio. O objetivo da prefeitura é movimentar a economia em regiões de baixa renda. A proposta ressalta que a circulação será restrita à cidade do Rio para estimular o consumo em empreendimentos locais, possibilitando um sistema de integração que viabilize o comércio e a capacitação da população local, criando um mercado solidário e alternativo entre vendedores/prestadores de serviços e consumidores.

Segundo o cientista social formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Givaldo Filho, a partir do momento em que os moradores de regiões de baixa renda gastam dinheiro em outras localidades, a economia local não é aquecida. No entanto, com a moeda social sendo comercializada regionalmente, haveria o aumento de geração de empregos e desenvolvimento socioeconômico da área. "É uma tecnologia social inovadora capaz de mante a riqueza dentro dos territórios fazendo com que você possa estimular o consumo dentro desses locais trazendo maior desenvolvimento para essas localidades. E acaba sendo uma relação de criação de valor compartilhado porque o comércio local se beneficia disso porque as pessoas vão gastar o dinheiro dentro da localidade", disse.

De acordo com o economista e professor de finanças do Ibmec, Gilberto Braga, as moedas sociais ganham força na medida em que o real deixa de ser necessário no ponto de vista físico, uma vez que as transações digitais e cartões são mais utilizadas. "As moedas ganham possibilidade de uso e de ser aceita já que vc não precisa de papel moeda e nem de impressão. As experiências que deram certo até agora, como a Mumbuca, de Maricá, tem a ver com a aceitação do comércio local. Para ter sucesso, a moeda precisa ter aceitação e expressar a confiança do poder emissor, além ganhar a credibilidade perante aos usuários", explicou em entrevista ao DIA.

Segundo o especialista, a moeda social não poderia ser utilizada para o pagamento de tributos que não sejam municipais. No entanto, dentro de localidades do Rio, a Carioquinha seria praticamente uma variação do dinheiro. "Normalmente, a moeda é utilizada para o pagamento de benefícios sociais e é aceita no comércio. Além disso, os comerciantes podem usar elas para pagar impostos e transacionar com outros comerciantes. Então, a moeda ganha uma espécie de validade monetária local e para ter sucesso, precisa ter aceitação", disse. 

Uma das referências citadas pelo economista e pela prefeitura no Projeto de Lei é a moeda Mumbuca, que é utilizada no município de Maricá. Desde 2012, a moeda, gerida pelo banco comunitário de mesmo nome, é o meio de pagamento de um benefício social equivalente a R$ 200, pago pela prefeitura a moradores de baixa renda inscritos no CAD Único. 

Ela surgiu a partir do conceito de economia circular, com valorização do comércio e dos serviços locais, e de uma política pública de geração e distribuição de renda para a população. Cada beneficiário recebe um cartão de débito, com valores em mumbucas para pagar por suas compras. O pagamento é feito pela plataforma digital e-dinheiro.

Atualmente, o programa de transferência de renda com a moeda social mumbuca beneficia 42,5 mil moradores. Mumbuca é o nome do principal rio que corta a região central de Maricá, e um dos principais bairros da cidade. 

De acordo com a proposta da prefeitura do Rio, a Carioquinha funcionaria com uma conta digital pré-paga, de uso restrito no município, em formato de aplicativo no telefone celular ou cartão magnético, operado pelo Banco Comunitário Popular, obedecendo a normativa do Banco Central do Brasil.

No Rio, segundo o economista, a experiência mais próxima da moeda social foi durante a pandemia da Covid-19. Na ocasião, o Governo do Estado do Rio anunciou a distribuição de vales de R$ 100 para alunos da rede pública estadual durante a interrupção das aulas presenciais. Para evitar aglomeração, os vouchers foram distribuídos por meio de um aplicativo de pagamento de contas, que podia ser instalado no celular. "A distribuição desse cartão alimentação, que seria o substituto da merenda, foi para as famílias poderem comprar. Em outros momentos, teve a distribuição de cartão para a compra de material escolar e uniforme. Esse método funciona bem, o comércio aceita, papelarias e supermercados também. A ideia é que ocorra da mesma forma", disse. 

A principal referência para a criação de bancos comunitários e moedas sociais é o Banco Palmas. Ele foi o primeiro banco comunitário brasileiro, fundado em janeiro de 1998, pela Associação dos Moradores do Conjunto Palmeiras (ASMOCONP), um bairro com 30 mil habitantes, localizado no sul de Fortaleza, Ceará, no nordeste do país. O intuito da criação do banco foi o de implementar ações de desenvolvimento local e de inclusão social, as quais conferiram ao banco o motivo por ser considerado uma das principais experiências de economia solidária no Brasil. 

Givaldo Filho participou da criação de dois bancos comunitários no RJ, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense e em Niterói, na Região Metropolitana. "Na época, a gente teve muito aprendizado nesse processo e teve o apoio do Banco Palmas, que é a instituição referência quando falamos de bancos comunitários. Hoje, o de Maricá e o grande case de sucesso a esse respeito aqui no Rio, eles têm inovado bastante. Olhando para o banco comunitário, a moeda social é a ferramenta que mais estimula o desenvolvimento econômico dos territórios. A gente tem economias muito fortes nesses territórios mais pobres, mas uma das grandes traves para o desenvolvimento dessas comunidades é que essas pessoas não gastam dinheiro nas comunidades onde vivem", explicou.

Uma luz no fim do túnel. É assim que o fundador da ONG Voz das Comunidades, Rene Silva, vê a criação da moeda social Carioquinha. Para ele, a medida teria um papel fundamental no desenvolvimento econômico das favelas e periferias do Rio. "O fortalecimento dos empreendedores podem acontecer ainda mais se a gente tiver essa moeda social porque ela visa fazer a circulação do dinheiro dentro do próprio território fazendo com que as pessoas gastem seu dinheiro ali, usem seu dinheiro ali e recebam ali mesmo dentro da comunidade. Acho que poderiam começar implementando em favelas onde se tem grandes áreas comerciais, como o Complexo do Alemão, Rocinha, Cidade de Deus e Maré, porque dá pra ter noção de como funcionaria na prática. Além de ser uma grande oportunidade da gente investir na economia local, a moeda social faria essa geração de renda e transformação do território", ressaltou ao DIA.

Além da moeda social e do banco popular, a proposta cria também fundos solidários, cooperativas de crédito e incubadoras de empreendimentos solidários para promover o acesso de serviços financeiros e bancários.