Um dilema: se a economia brasileira apresentou crescimento de 3,2% em 2023, de 4,8% em 2024 (a maior expansão desde 2021) e as projeções de inflação vêm caindo mês a mês, por que o Banco Central mantém a taxa básica de juros (Selic) em 15% ao ano? Especialistas e setores da economia divergem sobre os motivos da manutenção da taxa: especialistas defendem cautela na redução de juros e entidades patronais criticam a manutenção da taxa. Em comunicado, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC não descartou novo aumento.
Até o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, disse esperar uma redução da taxa de juros na próxima reunião do Copom, que ocorrerá em 9 e 10 de dezembro.
'A taxa de juros está muito elevada. Esperamos que na próxima reunião do Copom ela já comece a curva de redução, ela retrai a atividade econômica, especialmente bens duráveis de custo mais alto, mas acho que será transitório. Estamos tendo grandes investimentos no Brasil', disse.
Alckmin citou que o país tem uma safra agrícola recorde, com percentual 17% acima, queda do dólar e da inflação, como importantes indicadores econômicos.
Outro membro do governo também tem, reiteradamente, defendendo o corte da taxa, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Durante evento em São Paulo, ele afirmou que, se fosse presidente do Banco Central, reduziria os juros, destacando que a diferença entre as taxas de juros e a inflação pode prejudicar a economia.
'Eles (os juros) vão ter que cair. Por mais pressão que os bancos façam sobre o Banco Central para não baixar juros, eles vão ter que cair. Não tem como sustentar 15% de juros reais com a inflação batendo 4,5%' disse, acrescentando que: 'Eu não sou diretor do Banco Central. Se eu fosse, votaria pela queda'.
O economista e professor do Ibmec, Gilberto Braga, explica que os juros não caem 'porque não há uma correlação única, são variáveis que se conectam mutuamente, a economia cresce menos do que poderia, a inflação dá sinais de queda e os juros estão altos forçando a queda do consumo'.
'Se os juros já estivessem menores, a demanda estaria mais aquecida, mas com a inflação crescendo e descontrolada', pontua Braga, que salienta: 'As projeções indicam queda de inflação, por isso a discussão quando dever começar o ciclo de queda dos juros'.
O economista da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Ulisses Ruiz de Gamboa, a manutenção da Selic reflete um cenário de inflação ainda acima da meta, apesar da desaceleração da atividade econômica e da valorização do real.
'Esse quadro, somado à expansão fiscal, à resiliência do mercado de trabalho e às incertezas externas, justifica uma postura monetária cautelosa', afirma.
O professor de Economia e Finanças do Ibmec Brasília, Marcos Sarmento Melo, acrescenta que a taxa de juros é o principal instrumento pelo qual o Banco Central cumpre seu papel de gestor e defensor da moeda brasileira.
'Quando a inflação sobe de forma mais espalhada entre diversos produtos e serviços, como estava acontecendo no país nos últimos anos, é necessário tomar providências para que ela não fuja ao controle. Um modo importante para combater a inflação é o aumento da taxa de juros'.
A inflação é um dos grandes problemas da economia, diz o especialista, pois reduz o poder de compra da camada mais vulnerável da população, tende a carrear renda dos mais pobres aos mais ricos, dificulta a empresas planejarem investimentos que gerarão empregos e arrecadação de impostos, entre outros problemas. 'É até admissível haver uma pequena taxa de inflação, 2% a 3% ao ano, por exemplo, mas é extremamente nocivo à economia do país quando sobe muito mais que essa referência', adverte.
Reação de setores da economia
A Confederação Nacional da Indústria (CNI), critica o manutenção dos juros em 15%: 'O nível elevado de juros sufoca a atividade econômica e isola o Brasil no cenário internacional, onde a maioria dos países já iniciou ciclos de redução'.Em nota, o presidente da CNI, Ricardo Alban, afirmou que a continuidade de uma política monetária 'excessivamente contracionista' é prejudicial ao país.
Ainda de acordo com a CNI, os juros altos fream investimentos e encarece o consumo. Segundo pesquisa da confederação,80% das empresas industriais apontam os juros como o principal obstáculo ao crédito de curto prazo, enquanto 71% consideram a taxa o maior entrave ao financiamento de longo prazo.
A taxa alta também gerou críticas do setor de supermercados. Segundo a Associação Paulista de Supermercados (Apas), o Brasil está na contramão do restante do planeta, que reduz juros.
'Temos hoje a segunda maior taxa real de juros do mundo, prejudicando os investimentos, o consumo das famílias e perpetuando os entraves estruturais ao desenvolvimento', destacou o economista-chefe da entidade, Felipe Queiroz.
O setor da construção civil também demonstrou preocupação. Em comunicado, o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Renato Correia, afirmou que uma Selic elevada por longo período encarece o crédito imobiliário e inibe novos projetos.
'A construção é um dos setores mais sensíveis ao custo do crédito e à confiança do consumidor. Uma Selic de 15% torna muitos empreendimentos inviáveis', avaliou.
Veja os dados revisados pelo IBGE
Dados revisados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirmam que a economia brasileira cresceu 3,2% em 2023. Dessa forma, o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) chegou a R$ 10,9 trilhões.
A constatação faz parte do Sistema de Contas Nacionais pelo IBGE. O procedimento de revisão é um padrão do instituto, que incorpora novos dados de pesquisas setoriais do instituto, podendo haver alteração no resultado ou não.
Quando o desempenho do PIB de 2023 foi divulgado inicialmente, em março de 2024, o resultado apontou crescimento de 2,9%. Em dezembro de 2024, o valor foi revisado para 3,2%. Agora, de forma definitiva, o dado foi confirmado.
Os números do IBGE mostram que o PIB per capita de 2023 foi equivalente a R$ 51.693,92. Para 2023, o IBGE mostra os seguintes desempenhos:
* Serviços: 2,8%
* Indústria: 1,7%
* Agropecuária: 16,3%
* Consumo das famílias, que representa 62,9% do PIB, cresceu 3,2%
Expectativa para 2025
A edição mais recente do Panorama Macroeconômico, elaborado pela Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda, aponta para expansão de 2,3% do PIB em 2025.
O relatório Focus, pesquisa semanal do Banco Central (BC) com instituições financeiras, edição da última segunda-feira (3), estima alta de 2,16%.
O que é o PIB
O Produto Interno Bruto (PIB) é o conjunto de todos os bens e serviços produzidos em uma localidade em determinado período. Com o dado, é possível traçar o comportamento da economia do país, estado ou cidade, assim como fazer comparações internacionais.
O PIB é calculado com o auxílio de diversas pesquisas setoriais como comércio, serviços e indústria.
Durante o cálculo, há cuidados para não haver dupla contagem. Um exemplo: se um país produz R$ 100 de trigo, R$ 200 de farinha de trigo e R$ 300 de pão, seu PIB será de R$ 300, pois os valores da farinha e do trigo estão embutidos no valor do pão.
Os bens e serviços finais que compõem o PIB são medidos no preço em que chegam ao consumidor. Dessa forma, levam em consideração também os impostos cobrados.
O PIB ajuda a compreender a realidade de um país, mas não expressa fatores como distribuição de renda e condição de vida. É possível, por exemplo, um país ter PIB alto e padrão de vida relativamente baixo, assim como pode haver nação com PIB baixo e altíssima qualidade de vida.